domingo, 18 de setembro de 2011

Visita passado


Manhã em Maputo, na porta de entrada da minha casa vejo um louva-a-deus enorme.
Saio de casa, regresso de tarde, volto a sair de noite, durmo, saio para o serviço... o louva-a-deus continua lá. Enorme, verde, mãos em prece para o céu. Eu olho-o. Leontina, a empregada, sorri:
Ysh, sinhora tem muita sorte! Yuwi yuwi, receber visita assim mesmo?
Visita?
Ysh, sinhora não sabe? Isso aí, esse animal é visita, visita de antepassado, não afasta. Deixa ficar aí, ele mesmo sozinho vai embora.
E as visitas partilham-se com os amigos, com a familia:
Mãe, sabes que aqui na minha porta de entrada tenho um louva-a-deus enorme e...
A sério? Eu também! Tenho um tão grande na porta de entrada há mais de dois dias, nunca vi um assim.
Sério...?

Eu não sei, não sei mesmo como funcionam os espíritos e os deuses, ou as magias e feitiços.
Mas... dizem que cada vez que alguém morre uma estrela aparece no céu.
Eu guio-me por elas.
Dizem que uma morte é sempre um nascimento.
Dizem que os que morreram, os que amamos, os que nos amaram, nunca desaparecem do nosso lado.
Eu acredito.
Acredito nos espíritos das árvores, nos dos lagos, da água doce e da salgada, nos deuses que vivem nos olhos dos bebés e claro... nos que habitam os antepassados... os que já não vejo e os que ainda vivem.

Maputo. Estou sentada com amigos na esplanada do hotel Polana, tomamos a bebida que celebra o anoitecer:
Recebi mensagem para ir fazer campas, ysh, não respondi... Agora recebo outra: “Apenas para confirmar se recebeu a comunicação de cerimónia”.
Ysh, estas coisas não podemos ignorar!!
Ya... é pá estava a tentar mas não dá... Mesmo que não acredites não podes ignorar, porque qualquer coisa te acontece a partir daí, não importa o quê! Achas que foi cerimónia que não fizeste.
Ysh, eu só posso ir fazer campa. Brada, esse final de semana não tem groove, vou a Inharrime!

E esta situação eu vivi muitas vezes por toda a africa:
Nao tens filhos?- espanto
Nao queres ter filhos?!! - censura
Nao podes...? - tristeza
E também nas conversas nos bares, nas paqueras na praia
- Vamos fazer bebes castanhos?

Em africa prestamos culto. A fecundidade e a longevidade. Ao dinamismo e a energia das forças teluricas. Aos antepassados.
Por isso preciso de muitos filhos, por isso baptizo meus filhos com os nomes dos que ja morreram, tudo com o objectivo de ajudar meu espirito a viver mais tempo.
Porque, apenas uma pessoa com descendência se pode transformar em antepassado.

E aqui muitos conflitos se resolvem assim mesmo:
Ei, não sou da tua idade eu!
E o mais velho que está a pedir.

Sim, o “mais velho” viveu muitas luas, lutou muitas guerras, e tudo aquilo que tu vês, que te preocupa, os problemas em que tropeças e os prazeres nos quais te perdes... tudo ele já viveu. Tudo ele entende. E tu? Tu respeitas.

Os antepassados são os intermediários entre o homem e o deus e a comunicação com eles está presente no quotidiano de Africa. Rituais e cerimónias fazem parte dessa comunicação, quando se abre uma garrafa de bom vinho, ou uma cerveja, um cafe ou um cha de qualidade, as primeiras gotas são derramadas no chao, são oferecidas aos antepassados.
E aqui os mais velhos são os que curam, os que adivinham, os que comunicam com os deuses, os que lancam os ossos, as conchas, os dados.
Os mais velhos são os que sabem.

Eu? eu perco-me sempre nos caminhos de Africa... eu quero aprender com a sabedoria dos velhos...

Quero sorrir perante as dramaticas desilusoes de amor dos jovens. Sossegar as criancas que temem genuinamente a piscina funda.
Quero descansar os olhos, e caminhar sem pressa, porque sei. Porque sei que tudo passa, tudo vem, tudo se repete, tudo demora, e tudo está bem. Quero saber que e tudo igual.
Mas por agora, por agora quero o calor seguro dos conselhos. Todos queremos. Quero sentar na esteira como o “pai”, o “vovo”, o sabio de africa.
Esta religião, a que segue os antepassados, todos a temos, mesmo que não acredites.

1 comentário:

  1. Hola!!
    Tienes un nuevo seguidor que lee atentamente tus relatos desde el sur de la patagonia argentina.
    Un abrazo desde esta tierra y gracias por tus cuentos.
    jorge

    ResponderEliminar