domingo, 12 de junho de 2011

Quase para pouco


Falta quase para pouco.
Eu não sei bem – perdida nos caminhos criativos das línguas - o que esta expressão significa… mas sabe a Moçambique. É esta suspensão prometida no tempo, que para mim caracteriza bem o que sinto aqui. É uma sensação assim mesmo: “quase”. Uma espécie de optimismo sempre presente, uma promessa leve de concretização, um confortável “quase”, um adocicado “pouco”.
Sim, parece-nos que Moçambique ainda não é… mas não podemos dizer que lhe falta… enfim, precisamos apenas de mais um pouco.
Fecha os olhos e pensa num país. Experimenta. O que acontece? O que surge na tua mente? Que imagens se formam? Que cores, que sons, que sabores inventas por entre as memórias?
Eu não sei bem porquê mas sei que de Moçambique se sente a falta. Apenas isso. Desde que cheguei que me avisaram os amigos:
- A Moçambique não se vai, fica-se.
Moçambique é esquecer o dever, de pés mergulhados no morno Índico:
- Mano, peço ver óleo do carro.
- Ysh, senhora tá no mínimo mesmo.
- Sempre esqueço de ver isso.
- Mas agora enchi já, pode esquecer de novo.
Moçambique é superstição:
- Estamos a fazer este ritual para saber se tem xikwembo.
- E que é xikwembo?
- Xikwembo é espírito no corpo da pessoa.
- Espírito… mau?
- Bom, espírito que… que devemos tirar.
- Eu posso ter xikwembo?
- Podemos ver.
- Mas esse espírito é como?
- É… como antepassado que não foi cristianizado.
- Mas, na minha família antepassados são cristãos há muitas gerações.
- Então vai minha filha, tu não tens xikwembo.
Moçambique marca no olhar.
Como se depois de um passeio pela marginal de maputo já não houvesse outro pôr-do-sol senão aquele que acontece por detrás dos coqueiros.
E nós, portugueses, parece que levamos mesmo a peito isto de construir “junto ao mar”. Tantas estradas de Portugal, dos países de África que Portugal ocupou, das zonas da Ásia que Portugal viveu, tantas estradas são assim, tão em cima da água que em dias de maiores ventos as ondas batem os carros e salpicam as pessoas. Esta marginal, a de maputo está destruída pela erosão, cada dia mais o mar come o caminho que o homem insistentemente desenha na natureza. Todos os dias o homem pesa na estrada que construiu. Pesam os carros estacionados no passeio largo, as batidas fortes da passada dançada a dois nas noites mais quentes, os colmer e as mamanas que vendem da cerveja mais fresca, que assam o frango maior, que vendem a bajia mais picante.
A marginal de maputo cede, mas é desfile de festa e discoteca nos finais de semana.
Moçambique é o anoitecer laranja de África:
Ver da porta da cozinha a luz a mudar, o sol vermelho a desaparecer e a lua em quarto crescente a surgir. Debaixo dela a estrela mais brilhante, a primeira a aparecer. O céu ainda azul, a luz alaranjada no horizonte e o sfumatto romântico do fumo da poluição, desenham a magia da hora, esta hora em que o dia se transforma em noite.
- Aqui em Moçambique cão come pissoa!! Senhora não acredita? Come! Bem bem!
- Aqui em Moçambique parece que as noites e não chegam e os dias sobram!
- Eu quando cheguei perguntei como é que é? Qual é a regra? Como é que funciona? Qual a regularidade? Mas agora sei que em Moçambique isso não existe… depende.
Moçambique fica-nos na pele como marca de nascimento, mesmo a nós, os que não nascemos aqui.
Viajo. Viajamos. Mas todos lhe sentimos a falta, porque é assim eu não sei.
- É feitiço senhora! É essa areia vermelha que tem feitiço!
- Moçambique é uma noiva feiticeira, que te “engarrafa” o corpo mas não te oferece o coração!
- É! Para mim é esses homens casados que saem com a “catorzinha”, que apanham nas traseiras do serviço!
Moçambique é a memória forte dos tempos da libertação que surpreende os contextos:
- Eu, exercício físico só fiz na guerra!
- Tás a ver o que é comer carne e ficar a falar disso durante um mês?!!
- Na minha escola a minha sala tinha sempre carteiras! Eh pah eu mesmo era o primeiro a chegar e ia buscar as carteiras para lá, depois ficava de guarda. Era assim que tinhas de fazer! Mas eh pah, se entravam aqueles ninjas, ninjas mesmo nem dá para faitar… eh pah, aí só podes mesmo sentar na tua carteira e deixar eles levarem tudo. Depois vem prof. Tás tu ali na tua carteira, prof. Vem e leva, eh pah… fazer o que? Coisas de puto, né? Escola nos times era assim mesmo!
Moçambique é um pavão de madrugadas barulhentas…
- Às vezes acho que ser moçambicano é ser do mundo. Somos que nem uma esponja, estamos tão vulneráveis… e isso é bom, não estranhamos o banal, apesar de ainda querermos teimar em "conservar e tradições", o mozamba normal, fruto da criatividade, esperteza e bondade natural que este clima que nos abençoa nos dá, é facilmente o indivíduo mais culto do mundo. Sabemos tanto que até esquece-mos que sabemos, talvez seja por isso que temos tanto briefing na ponta da língua e voamos alto quando... estamos lá fora! É que lá fora há uma tendência de “idolizar” o criativo, o artista, o bem-sucedido, o músico, o jogador… aqui é apenas mais um, não melhor nem pior, é mais um para brindar a cerveja ao fim do dia e trocar estórias.
Moçambique é brinde, sim. É chapeiro e diplomata a gritar pela mesma equipa no jogo de futebol, a beber a mesma cerveja.
Moçambique é sempre sonhar com o regresso.
- Joana, essa tua viagem! Tu afinal regressas quando?
- Eh pah… sabes? Acho que… falta quase para pouco.