sexta-feira, 18 de março de 2011

Noites djezz


Vamos de jipe ver os terrenos, as machambas, os cultivos nos arredores da cidade, o telefone toca:
- Olá prima! Sim, tudo bem? Ysh, primo desapareceu? Mas talvez amanheceu lá, há-de vir. Ah, desapareceu desde 6ª feira… hum… ok… Eu… não sei de nada prima, mas vou ver… vou ligar amigos… sim, vai aparecer ele.
Ele percorre a lista de contactos e faz uma chamada:
- Neguinho! Primo desaparece, prima está preocupada, não lhe viste?... Na 5ª? Nada… ele desapareceu na 6ª… ok, pergunta lá bradas… ya… temos que trabalhar em busca e captura!
Mais uma volta na lista de contactos, mais uma chamada:
- Irmão! Nosso primo desapareceu… ya… não voltou… ya, DESde! Nada pah, é sério, prima está muito preocupada, é domingo hoje pah!... ya… mas não estiveste com ele?... sim, bebeu né? Claro! Deve estar grosso DESde!
Os finais de semana em Moçambique não variam… na 5ª feira eu bebo sabe-se lá quanto; saio de casa a hora indefinida e vou curtir não sei para que sítios. Danço não me lembro que músicas e conheço ignoro que caras; volto para casa a hora desconhecida, dirigindo sabe deus como. Estaciono de inimaginável maneira… e acordo no dia seguinte com uma babalaze que só eu sei. Mais, desconsigo lembrar-me dessa noite. Se me diverti ou se sofri é mistério para mim. Remexo a carteira à procura de pistas como uma esposa desconfiada de traição do marido… nada, nem um recibo, nem uma nota, uma moeda, um sinal… o celular toca:
- Olá!
- … olá…
- Tudo bem? Sabes quem é? Não te lembras de mim, de ontem?!
- Claro que me lembro…! De ontem… - minto. Não me lembro nada.
Sim, moçambicano gosta de beber, sentar e beber, beber, beber. Mas desenganem-se que seja coisa que se receba com a nacionalidade. Dizem-me todos os expatriados; os imigrados; os que trabalham nas ONG e os das cooperações internacionais; os voluntários e os dos contratos milionários; os que se hospedam nas guest house de segunda e os que vivem nas flats tipo 4 da avenida Julius Nyerery; os que andam de chapa e os que se deslocam com motorista - dizem-me desde que entrei em África! - os representantes das nações unidas do Malawi; os gerentes de hotéis luxuosos no Sudão; os militares portugueses em Adis Abeba; os voluntários britânicos; as missionárias italianas; as educadoras suecas; os mergulhadores canadianos – em África bebe-se!
Ele continua as chamadas de “busca e captura “do primo:
- Alô galera! Viste primo? Desapareceu ele… nem lhe viste este final de semana… sim, é coisa de saias isto… lógico… ok, liga lá pessoal, ok… aguardo.
Acontece pela cidade, à 3ª feira no Gil Vicente:
- Posso ter teu contacto?
- Ya, 82…
- Amanhã ligo-te ok?
- Ya, depois das 12! – no dia seguinte ele liga, combinam encontro, ela está no sítio certo, mas não o vê, aproxima-se um rapaz:
- Olá, não me estás a reconhecer?
- Não… tu és a pessoa de ontem?! Nãaaao! Sorry lá.
Ele faz mais uma chamada ao gang habitual da curte:
- Tio, como é? Tio, meu primo não voltou para casa este final de semana… Ah! Ah! Ah! Ah! Parece Mcel, desligou-se na 6ª e nem deu mais sinal… celular nada… barracas habituais nada, já procuraram… Sabes de alguma coisa…? Nada, eu não lhe vi, eu não saí, tive jogo, sabes que não posso beber quando jogo, nem saí, assim não anima sair… Sobre primo como podemos fazer?... Vais ver, né? Ok, me liga!
Eu mesma na Rua D’Arte:
- Sabes, as pessoas estão estranhas…
- Achas, não acho.
- Sim, o que dizem não faz muito sentido pah… e a malta abraça-se muito, muito beijo… essa malta que nem conheço bem… está estranha esta night.
- Joana, não está estranha nada, sabes o que é estranho? É essa garrafa de água que tens na mão!
Sair sem beber? Nada, nem val’apena!
Às vezes parece-me que night africana… é assim, simplesmente. Não sei porquê. Porque vejamos, qualquer que seja o ambiente um copo já nos anima; se a música é má bebe-se mais um; e pedimos o terceiro se o ambiente está off; é bom beber um quarto se estamos cansados; um quinto se há sono; e ao sexto copo os homens parecem sem dúvida mais atraentes; as conversas mais interessantes; o céu mais bonito; o clima mais doce. A partir daqui estamos djezz e já não importa, mesmo que seja a única na pista e o DJ toque apenas os temas que servem para mandar as pessoas para casa; mesmo que seja mais hora de matabixo que de shots de tequilla; mesmo que no céu brilhe o sol, os olhos peçam óculos de sol e a maquilhagem já derreta com o calor - no importa, a hora deixa de existir.
Ou é hora de deixar de existir? Não importa, divertimo-nos! Não é?
As chamadas continuam:
- Ya, neguinho como é? Alguma coisa? Nada? eh pah… não sei né… espera prima está-me ligar – prima… apareceu? Ah, não… sim… eu estou a fazer alguns telefonemas, mas tudo está bem eu tenho certeza… talvez isso, bebeu um pouco de mais… pois… vamos ver né… manter a calma… sim… ok. – neguinho eu acho que vou à polícia, começar a ligar hospitais… eu sei lá… são 14 horas! Ele saiu de casa 15 horas de 6ª!
Não sei o que nos faz encharcar os fins-de-semana e tentar fintar a babalaze colando uma bebedeira à outra… mas a verdade é que na night de maputo… bebe-se! E olha à volta, quem é que está mesmo AQUI? Quem conversa mesmo contigo; quem escuta mesmo o que dizes; quem troca ideias? Quem conversa, de facto? Quem te olha nos olhos sem fugir com o canto do olho para quem entra, quem senta, quem abraça, quem acena. Mesmo tu, na night consegues focar-te em algum objectivo simples? Eu não.
O telefone dele toca:
- Sim, prima… eu estou agora a ir nos… ah, apareceu?... que bom! muito bem-disposto? He! He! He! He! Sim… mas prima… não zanga, relevaaaaaAAAAA!
*djezz – tem origem na expressão jazz; com djezura; grosso; tocado pelo álcool; embriagado; bêbado.