terça-feira, 9 de agosto de 2011

Conta-se na ilha


Conta-se na ilha que os gigantes foram aqui aprisionados.
Conta-se na ilha que o piri piri é tão forte que serve de castigo às crianças e de afrodisíaco aos homens.
Conta-se na ilha que a água é tão transparente que podemos ver os peixes a nadar à nossa volta. A areia tão fina que amacia os pés a cada passo.
Conta-se na ilha que vivem nestas águas seres inofensivos como estrelas-do-mar e letais como tubarões.
Conta-se na ilha que quem se aventurar em barco pequeno encontra perto a ilha baptizada após a presença dos portugueses.
Conta-se na ilha que a vegetação é verde e selvagem.
Conta-se na ilha que as águas que separam Inhaca de Maputo enganam os marinheiros. Conta-se que o Índico suave se levanta em ondas que provocam o vómito dos que se divertem no barco.
Conta-se na ilha que a linha do horizonte é desejo sempre presente nos homens que sonham com a cidade.
Conta-se na ilha que aqui não se vive, deixa-se passar os dias, de olhos postos na água.
Conta-se na ilha que em maputo as roupas são mais bonitas, o canhú mais doce e a cerveja mais fresca. Conta-se que as mulheres são mais sensuais nas suas danças nocturnas.
Conta-se na ilha que os estrangeiros chegam mas sempre partem. Nas ilhas não se vive, deixa-se chegar a noite, embalado sempre pelos sons do mar.
Conta-se na ilha que se pode nadar para o outro lado, para terra. Não sabemos já quem conseguiu o feito, de que era feita sua pele e qual o tamanho dos pés, se era escamoso e barbatanudo o que atravessou a baía. Mas conta-se.
Conta-se na ilha que a mulher do dono do snack-bar, a que caminha com um cão que responde ao seu olhar, a que arrasta os pés na areia com a preguiça pesada de África; a que amarra a cintura as capulanas negras, a que te olha de frente sem medo, com os olhos vermelhos, conta-se que é feiticeira das noites de luar. Conta-se que na água frente a sua casa os peixes vêm à superfície respirar, como se tivessem em vez de guelras pulmões.
Conta-se na ilha que a estes lugares não se pertence, porque sempre se sonha com a travessia.
Conta-se na Ilha que estes são lugares entre lugares, onde o tempo não se desenrola da mesma forma…
Ilha é isso mesmo, um lugar entre lugares, perdido da terra vive apenas na água, mas não lhe pertence. Ilha depende de equilíbrio de marés, pode ceder aos tremores e caprichos da terra.
Eu gosto de pensar nestas zonas híbridas, entre mundos.
As zonas onde estamos mas não para ficar. Onde esperamos tempos e movimentos. As zonas onde o tempo se suspende em flutuares instáveis. Sim, é isso, a instabilidade. Todos nos encontramos na mesma instabilidade, no mesmo barco que balouça. E nestes lugares passamos todos alguns tempos do nosso tempo; nas paragens do chapa… na porta do café que ainda não abriu.
Passamos, escorregamos nos minutos. Em aeroportos, nos hotéis, nos destinos de viagens.
E é tão boa a maneira como todos ficamos mais inseguros, mais ansiosos… mas também mais descomprometidos, mais sorridentes talvez.
A zona de segurança foge-nos inevitavelmente das mãos nestes lugares. Fogem-nos os pés nas pedras que não conhecemos. Angulosas e cortantes ou polidas e escorregadias, eu não sei.
Eu adoro primeiras vezes, sim a sensação nervosa e excitante do que não conhecemos. A saída arriscada da zona de conforto. Os estados entre… entre coisas, antes de acontecimentos, quando esperamos algo que nos vai acontecer, quando esperamos, quando sabemos, quando estamos no mesmo momento de suspense.
Porque na verdade é sempre assim, não existe estar, mas sempre passar.
E na comunicação é também assim, mesmo quando a tomamos por certa, conhecida, constante, sabida, não é verdade, não funciona assim. Toda a comunicação é aproximação, estudo, escuta. De cada vez, de todas as vezes, se inicia algo, e sempre se age por tentativa.
Perco-me na ilha:
- O caminho para o mercado?
- Sempre em frente, mais ou menos 20 minutos.
Eu caminho sempre em frente, passados cinco minutos, talvez dez, encontro um pequeno mercado, e aí pergunto de novo:
- Mercado?
- É aqui.
- Não, mas… outro mercado…?
- Não tem outro.
- Mas disseram-nos que era uma caminhada de 20 minutos…
- Ah Ah Ah Ah Ah! Sim, porque falaram de passo de ilhéu, assim senhora veio directo? Nada! Ilhéu não faz assim. ilhéu da ilha mesmo? Ysh! Esse pára, descansa, conversa, discute o tempo e pergunta pela família, pode até sonecar na sombra do cajueiro, não tem caminho directo!
Eu perco-me na ilha, esqueço-me dos tempos e escrevo como se fosse sempre domingo, na espera morna de um dia útil que não vem.

1 comentário:

  1. Joana,

    Muito nos contas!
    "Eu caminho sempre em frente,..."
    Fez-me recuar trinta e muitos anos e, relembrar a minha mãe nas idas à charneca, quando se cruzava com a comadres e vizinhas.As novidades eram sempre muitas.O tempo até parecia que parava.
    bjs

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